Pensador e filósofo português,
autor de obras como Maquiavel &
Herdeiros e tradutor de clássicos como O Príncipe de
Maquiavel e o Tratado Político de
Espinosa.
O tema deste livro é a democracia, vista através da obra de um dos seus primeiros teorizadores nos tempos modernos, porventura o mais
radical, Baruch de Espinosa. A democracia não é aqui unicamente uma forma de
governo; é, sobretudo, um princípio de organização da sociedade, que atribui a
soberania à totalidade dos indivíduos, razão pela qual Espinosa considera o
Estado democrático um Estado “totalmente absoluto”, um Estado em que o direito
público equivale à “potência da multidão”. Se, de facto, “a natureza não cria
nações”, como afirma Espinosa, e a organização de um agregado não tem
fundamento senão na totalidade das vontades particulares que nele se confrontam
ou associam, então, a verdadeira razão de ser da política é criar as condições para que o poder, que por natureza pertence
à totalidade, não se torne exclusivo de nenhum particular e todos os
indivíduos gozem de liberdade para participar na definição do que se diz comum.
Entre governantes e governados, há sempre uma brecha, uma ferida permanente no
seio da totalidade. O que distingue a democracia dos outros regimes é o facto
de, por definição, ela contrariar a cicatrização dessa ferida, evitar que a desigualdade se instale como
natural, mantendo acesa, se mais não for através da livre discussão, a
ideia de um querer da totalidade, que está na origem e é fundamento de todo o
poder. Reside aí o projeto de Espinosa. Reside aí, porventura, a sua
atualidade.» | Diogo Pires Aurélio